terça-feira, 19 de outubro de 2010

À PROCURA DA PALAVRA

P. Vítor Gonçalves

DOMINGO XXIX Ano C

“Quando voltar o Filho do homem

encontrará fé sobre esta terra?” ”

Lc 18, 8

A fé subterrânea

A feliz epopeia do resgate dos mineiros chilenos uniu-nos numa audiência mundial só comparável ao drama do 11 de Setembro, em Nova Iorque, há 9 anos. Hora a hora a terra ia trazendo à luz do dia, com o simbolismo de uma ressurreição (Fénix, a ave mitológica que renascia das cinzas, era o nome da cápsula salvadora) cada um dos 33 mineiros e os salvadores que tinham descido para ajudar. Nas camisolas de todos um agradecimento: “Gracias, Señor!” Não sei se Jesus encontrará, um dia, fé “sobre” esta terra, mas debaixo dela, certamente.

Não sabemos que justiça pedia a viúva do evangelho de hoje. Na tradição bíblica as viúvas são o símbolo de todos os desfavorecidos e abandonados. Ninguém as defende, não há reformas nem seguranças sociais que as apoiem. É porta-voz dos injustiçados do mundo, de quem não tem vez nem voz, mas encarna a perseverança ou o desespero de não desistir de gritar. Em vários momentos Jesus aponta a força da perseverança: o amigo inoportuno a pedir pão, a mulher siro-fenícia que pede a cura da filha, o cego de Jericó que grita por um milagre. Baseado na experiência da natureza o povo diz na sua sabedoria: “Água mole em pedra dura…tanto dá até que fura”! De tanto desejar milagres esquecemos que a maioria deles dão muito trabalho, precisam de muita insistência!

A oração será também uma luta? Como a de Jacob junto à torrente de Jaboc até ao romper da aurora (Gn 32,25)? É luta contra a auto-suficiência que nos isola, e contra a história que nos oprime, porque a vontade de Deus é comunhão e justiça. Quando rezamos lutamos por um sonho, por uma vida mais abundante, por um reino que ainda não está realizado. Dessa luta falava o segundo mineiro a “ressuscitar” da terra: “Estava com Deus e com o Diabo. Eles lutaram por mim e Deus ganhou. Nunca pensei, nem um minuto, que Deus não me tirasse dali. Eu acredito que Deus testa as pessoas e acredito que temos de confrontar coisas na vida como as que nós tivemos que defrontar lá em baixo.” Uma luta que nos aponta as muitas que temos de travar neste “buraco de crise” em que estamos, não é?

A oração é, verdadeiramente, “um problema político”, como dizia o teólogo Yves Congar. Porque nos obriga a deixarmos de olhar para o próprio umbigo e a construir com Deus um mundo mais justo para todos. Porque é um grito contra a injusta distribuição das riquezas do mundo e o escândalo dos excessos. Porque nos mostra tão dependentes uns dos outros e desmascara a desumanidade de quem se julga acima de todos. A oração sintoniza-nos com o projecto de felicidade que Deus quer fazer connosco! E nunca sem nós!

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